III.2. A VITÓRIA-RÉGIA.
Alfredo Ladislau (Terra imatura, Civilização Brasileira S.A., 3ª. Ed, 1933, Rio de Janeiro, pp.205-213), ao chegar a um lago e deparar-se com as majestosas plantas, assim as descreveu:
“Victoria-régias!...balbuciei desconsciente, commovido pela belleza perturbadora esthése, com que me sobressalteava aquella suprema glorificação da belleza.
As folhas dos extraordinários nenuphares eram dilatados círculos verdes, enrugados e brunidos, deitados á tona, como desmesuradas manchas de chlorophylla coagulada, ennodoando a face impassível do lago. Corpulentos pedúnculos, eriçados de longos e finos espinhos, emergiam da embruscada mole taciturna, - sustentando os aggressivos oiriços dos volumosos botões, igualmente recobertos de agudas cerdas. Esse exercito de acúleos defensivos apanhava-lhes as longas sépalas, concentrava-se nos achatados cálices, descia pelas grossas cordas dos caules, subia pelos calibrosos pecíolos e derramava-se nas costas das folhas, aculeando-lhes os caixotins das vigorosas nervuras”.
Relata que o seu piloto – o pescador que o conduzia na montaria (pequena canoa típica e muito utilizada na região) – indagado se havia lenda relacionada com a soberba planta, lhe disse ter ouvido de um tucháua (cacique), nomeado Janari, que no começo do mundo, na primitiva tribo, no período masculino da lua, quando esta sumia no horizonte, coabitava com as virgens de sua predileção e as transformava em estrelas no céu, não havendo linguagem humana capaz de descrever o ato amoroso.
A princesa Nayá, quando caia a noite e reinava o silêncio na tribo, galgava as montanhas esperançosa de receber aqueles afagos celestes, o que jamais aconteceu. Continuou, em noites enluaradas, a subir serras, dilacerando-se pelas escarpas, rindo e chorando em delírio.
Certa noite, porém, ao ver refletida num lago a imagem branca e reluzente de seu amado, lançou-se às águas e não mais foi vista.
A lua, que gerara as águas, os peixes e as plantas aquáticas, em recompensa ao amor e sacrifício da virgem, não podendo fazer dela uma estrela do céu, a transformou em estrela das águas, “transformando o lírio daquella alma nessa soberana nymphea”.
Assim conclui o autor, em palavras insubstituíveis:
“E quando fez nascer, do branco e macerado corpo da infeliz cunhan, a mysteriosa planta, dasabrochou-lhe a immensa candura do espirito na grande flor perfumada, abrolhando em espinhos toda a magoa que tyranizára a dementada donzela. Depois, dilatando tão justo premio, estirou-lhe, quanto pôde, a palma das folhas, para maior receptáculo dos afagos de sua luz, amorosamente reconhecida.
Á noite, Nayá desnuda-se, desatando a roupagem esvoaçante das longas pétalas, para receber, no thalamo das aguas mansas, os beijos opalizados do luar”.
Lírica, singela e bela lenda! Quem viu vitórias-régias em um lago enluarado, no meio da exuberante selva amazônica, ouvindo os sons misteriosos produzidos pelos animais noturnos, sabe do que estamos a tratar.